Novo lugar, novas pessoas, novas experiências desta vez em Fara in Sabina, na Província de Rieti um pouco acima de Roma.
Cheguei aqui entusiasmada pois iria finalmente ajudar na colheita de azeitona, uma coisa que venho tentando fazer (apenas por amor as azeitonas) a mais ou menos dois anos, mas confesso que este tem se mostrado um relacionamento difícil. Da primeira vez, quando chegou o tempo da colheita já estava com a viagem marcada para o Brasil; no segundo ano, um incêndio acabou com os pés de azeitona e agora finalmente, ainda que grande parte já tivesse sido colhida, eu iria participar da última etapa. E afinal, era bem o que eu queria, acompanhar a ida até o “frantoio”, local para onde são levadas as azeitonas para serem transformadas em azeite. E o daqui é aquele maravilhosamente verdinho. A região é famosa pela qualidade.
Cheguei em uma segunda feira, cheia de vontade, e advinha? No sábado anterior tinham terminado com a colheita. Mannaggia!!! Quem sabe no próximo ano? Mas como um par de mãos é sempre bem vindo no campo, se tinham acabado as azeitonas, haviam sobrado os kiwis. E tudo bem, porque a vivência nesse lugar não foi menos rica por conta disso.
Fui recebida por Rosa e Pompilio, mãe e filho, que foram anfitriões pra lá de generosos. Rosa com um humor invejável, além de cozinhar divinamente, me contou muitas histórias locais incluindo algumas sobre o período da segunda guerra, quando ela era apenas uma menina; Pompilio que é professor por profissão e contadino por paixão, garantia que a hora do jantar fosse muito mais que um momento para apreciar bom vinho e boa comida. Demos boas risadas com suas histórias e teorias sobre o campo e o comportamento dos animais. E claro, que como bom professor em meio a tudo isso não deixaria passar a oportunidade de transmitir algum conhecimento. Rosa, uma vez ou outra, fingia chamar sua atenção:
– Mas não consegue deixar de ser o professor nem fora da escola? (Cá pra nós, ela adorava isso. É uma mãe coruja, cheia de orgulho do filho)
Junto com os outros três voluntários que estavam na casa, um americano, uma malaia e um italiano, colhemos mais de uma tonelada de kiwi, depois de Rosa pacientemente nos ensinar como fazer. Se você simplesmente puxar o kiwi não consegue arrancá-lo do galho, precisa puxar meio de ladimho. De ladinho vem fácil.
A plantação é interessante, porque eles parecem mágicos. Você faz todo um corredor de árvores, colhendo tudo que vê e pensa mesmo que colheu tudo. Se no dia seguinte você passar pelo mesmo lugar, encontra outro tanto de fruta. Eu fiquei com a impressão que para cada kiwi colhido, nasciam outros dois na sequência.
Aqui a produção é quase que só para consumo, mas convenhamos que para consumir uma tonelada de kiwi, mesmo para uma família grande, o que não é o caso, tem que gostar muito da fruta. Então acontece algum escambo com outros produtores, venda para particulares que prestigiam a produção orgânica e são feitos inúmeros potes de geléia para serem consumidas ao longo do ano até chegue o momento da próxima colheita. Nunca tinha comido geléia de Kiwi e muito menos feito. Amei!
Minha estada aqui se dividiu em duas etapas: a primeira em dezembro, com intervalo para as festas de final de ano; e a segunda em janeiro. E cada uma delas teve suas particularidades.
Aproveitando que falei nas festas de final de ano, dá só uma olhadinha no que Rosa preparou para o natal. Impossível descrever com palavras o quanto é gostoso. Sugiro a receita para quem gosta de cozinhar e surpreender. É bom demais!
O inverno é um período um pouco ingrato para minhas pretensões de vivenciar esse trato com a terra. Pouca coisa se planta e a colheita já foi encerrada mas ainda assim tem muito trabalho a ser feito. É tempo de podar, limpar, preparar o terreno e deixar a estufa em ordem. Mesmo as hortaliças de inverno não podem ser plantadas sob céu aberto. Precisam estar protegidas do vento e da friagem excessiva.
No final de dezembro antes de terminar minha primeira temporada em Fara, dois dos voluntários já haviam partido e estávamos só eu e Federico, o rapaz italiano, para ajudar Rosa e Pompilio a trocar a cobertura da estufa. Foi um trabalho e tanto passar o plástico por cima da estrutura de metal que deve ter uns 4 metros de altura no centro, mas valeu a pena ver o como ficou depois de pronto.
Aqui além das oliveiras e do kiwi, claro, têm figo, mandarino, tomates, cerejas e outros legumes e vegetais que a essa altura já tinham sido transformados em conserva ou congelados para serem utilizados ao longo do ano. Como animais, apenas galinhas que garantem ovos frescos e vez por outra uma vai para panela.
E por falar em galinha, em um determinado dia vivi uma experiência terrificante. Entrei na cozinha, feliz e contente e eis que dou de cara com uma galinha estirada em cima da pia. Fiz uma pergunta estúpida, mas ela escapou da minha boca antes que eu conseguisse brecar:
– O que você fez? Perguntei para a dona da casa. E Rosa, sempre muito simpática, respondeu sorridente:
– Matei para o almoço. Ti piace? (você gosta?)
Mandei um “não muito” tentando parecer casual, mas tenho certeza que não consegui. Na hora do almoço, por mais maravilhoso que estivesse o cheiro, eu simplesmente não consegui comer. Diante da insistência de todos fui obrigada a confessar:
– Gente desculpa, mas não consigo comer depois de ter visto o corpo.
Eles não entenderam muito bem a minha colocação mas respeitaram, mesmo me achado um pouco estranha. Fazer o quê? Eu como carne mas nunca parei para pensar que aquele filé ou peito de frango veio de um animal. Depois do ocorrido estou reavaliando meus conceitos à respeito da alimentação. Pobrezinhos dos franguinhos e de todas as vacas das quais eu me deliciei com a picanha. Me sinto uma monstra!
Outra coisa importante era manter a casa abastecida de lenha. E é interessante saber que nenhum pedacinho de madeira aqui foi comprado. A lenha utilizada vem toda de árvores podadas, ou seja, nada foi comprado e nenhuma árvore foi derrubada para queimar. Depois de recolher e cortar os galhos, a lenha deve ser bem armazenada para não molhar.
E claro que nem tudo foi trabalho, fizemos vários passeios para conhecer um pouco da região. Trocamos experiências sobre os nossos países de origem, sobre a vivência de cada um e esse grupo aparentemente improvável deixou de lado as diferenças de culturas e idades e focou apenas no que importava: aprender, ensinar e trabalhar.
Agora deixo vocês com as fotos que contarão o restante dessa primeira etapa. A segunda parte conto no próximo post.
E de “feijoa” vocês já tinham ouvido falar? Eu nunca. E é uma fruta brasileira originária do sul, conhecida também como goiaba do mato.
Pompilio tem alguns pés. Ganhou as sementes e o árvore se adaptou super bem ao clima da Itália. Pode-se consumir in natura ou fazer geléia. É um pouco ácida mas bem gostosa. A árvore tem uma peculiaridade interessante, as folhas são como as das oliveiras: verde claro de um lado e escuro do outro. Dá um efeito bem bacana.
E para terminar em grande estilo, uma vista de tirar o fôlego que fica em um trecho da antiga estrada que liga Corese Terra a Farfa (equivalente a dois bairros de Fara in Sabina).
Beijo estalado e abraço apertado à todos. Arrivederci!