No último post, contando sobre a primeira etapa da minha estada na Oro dei Quiriti, em Fara in Sabina, mencionei as muitas histórias que Rosa me contou, inclusive sobre o período da segunda guerra mundial. Uma delas em particular, gostaria de dividir com vocês porque é um misto de terror e comédia pastelão.
Rosa tem um bastão de madeira com mais ou menos 80 cm que usa na cozinha para espalhar a polenta e abrir massa. E quando digo massa, estou me referindo ao nosso conhecido macarrão. Algumas vezes ela preparou em casa seguindo as boas e velhas receitas de antigamente e realmente tem outro sabor!
Mas vamos a história. Me contava ela que esse período de guerra foi muito difícil e que algumas pessoas não tinham sequer o que comer, mesmo para os soldados do Reich, que tinham o domínio da região, a comida era do tipo “é o que tem pra hoje”. E assim quem tinha sua vaquinha, sua ovelha, galinha ou qualquer outro bicho com cara de comida, tratava de esconder para que eles não fossem chamados à mesa dos oficiais alemães ou mortos nos bombardeios. Com toda essa escassez, era corriqueiro receber visitinhas de cortesia dos oficiais e soldados alemães principalmente na hora das refeições.
Certo dia, um soldado alemão resolveu fazer uma dessas visitas inesperadas, que infelizmente ocorreu justo no momento em que o Sr. Pompílio Cenciotti, avô do atual, num gesto humanitário resolveu dar abrigo a um soldado inglês.
O soldado alemão batia na porta; e o soldado inglês estava no meio da casa. Que fazer? Deixar a atender a porta era impesável; entregar o jovem soldado inglês também estava fora de cogitação. A única saída era escondê-lo, e na pressa ele foi levado para o subsolo da casa onde ficava o galinheiro.
O soldado alemão foi recebido, comeu, bebeu, bebeu, bebeu mais um pouco e resolveu pressionar o dono da casa para que lhe desse um pato, ou talvez uma galinha. E acredito até que ele tivesse dado para se livrar o mais rápido possível do tal alemão, não fosse o fato de estar escondido no galinheiro o soldado britânico.
Um “não” direto, não seria conveniente. Eles tiveram que aprender na raça a arte da diplomacia. Não era possível simplesmente negar, a coisa deveria ser feita de modo que o próprio alemão deixasse de lado o pedido, que também não era feito de modo direto, mas apenas sugerido com ênfase.
O Sr. Pompilio, não podendo atender o pedido do alemão que já tinha partillhado da comida deles, viu como única saída oferecer mais vinho na esperança de que ficando embrigado ele fosse simplesmente embora.
A primeira parte do plano deu certo e o alemão ficou realmente bastante embriagado, porém ao invés de esquecer do pedido feito, se tornou incoveniente e começou a pressionar com certa agressividade o dono da casa. Estava determinado a ter o seu pato.
Aqui tenho que dar uma parada na história para fazer algumas considerações. Vocês conseguem imaginar o tamanho do problema que esse homem tinha nas mãos? Além de botar em risco a vida que estava tentando proteger, se descoberto, seria considerado um traidor pelos alemães. Pense de quanto equilibrio e sangue frio ele precisou para lidar com a situação? Se fosse comigo não teria dado certo, porque o medo ia ficar estampado na minha cara.
Mas voltando ao Sr. Pompilio, a diplomacia havia falhado, embriagar o soldado alemão não tinha funcionado e ele já desesperado com a situação, viu apenas uma saída. Não… corrigindo, quem viu a saída foi o alemão, que foi agarrado pela gola e os fundilhos e atirado pela janela numa atitude mais ou menos assim: “perdido por um, perdido mil”.
Bom, fato é, que o alemão acabou deixando na casa o seu bastão que ficou como herança para Rosa e hoje é usado na cozinha. Ao que parece saiu de lá tão bêbado que nunca conseguiu lembrar o que tinha acontecido na noite anterior.
Anos depois de terminada a guerra, a família recebeu um certificado em agradecimento pela coragem do Sr. Pompilio em abrigar o súdito da coroa britânica.
Confesso que minha porção de sangue alemão ficou com vergonha pelo mau comportamento do compatriota de meu pai; minha porção de sangue inglês ficou imensamente grata pelo abrigo dado ao compatriota de vovó Clift; e senti um enorme orgulho pela coragem dos compatriotas do meu neto. Eita família misturada!
Um beijo estalado e um abraço aperto à todos. Arrivederci!